O que estamos realmente cantando quando louvamos?
Uma provocação necessária: estaríamos exaltando a Deus — ou apenas massageando nossos egos pilhados de religiosidade?
Bob Kauflin
“O louvor é a prática
de valorar Cristo acima de tudo; é o transbordar de um coração cativado pela
cruz.”
Matt Redman
“A chave para um
louvor verdadeiro são os adoradores, não a performance; é um povo rendido que
responde ao Rei.”
John Piper
“Deus é mais
glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos n’Ele, e o verdadeiro louvor
nasce dessa satisfação, não de auto exaltação.”
John MacArthur
“O louvor não existe
para entreter a Deus, mas para nos humilharmos e exaltar o Seu nome em espírito
e em verdade.”
O
QUE SE TORNOU, AFINAL, O LOUVOR CONTEMPORÂNEO?
Onde
antes exaltávamos a majestade de Deus, sua santidade e soberania — cantando a
um Deus que é o totalmente outro — hoje parece que temos nos voltado para
canções que nos colocam no centro. A liturgia da adoração deu lugar à liturgia
da autoafirmação. O trono foi substituído pelo espelho. Este texto é um convite
à reflexão sobre essa mudança silenciosa, porém profunda, que transformou parte
do louvor em uma espécie de autoajuda espiritualizada — e sobre o urgente
retorno ao louvor bíblico: reverente, rendido, centrado em Deus e não em nós.
É
verdade: não se trata de rejeitar a beleza melódica ou a qualidade técnica das
canções modernas. Existem, sim, louvores profundamente bíblicos e espiritualmente
saudáveis sendo compostos hoje. Mas meu incômodo vai além do som. Trata-se do
centro. De quem ou do que se tornou o sujeito oculto, ou antes, o sujeito
evidente da adoração: nós mesmos.
Muitas
das canções mais entoadas atualmente giram em torno de frases como “você tem
valor”, “você é precioso”, “Deus vai te exaltar”, “te dar vitória”, “abrir
portas”, “curar sua alma ferida”. Tudo verdade, se lido no contexto certo. Mas,
isolado, isso se torna a catequese de um hedonismo piedoso — onde o homem se torna
o fim último da ação divina. E Deus, um tipo de gênio da lâmpada celestial.
Mas
a oferta de Deus, como bem diz o apóstolo Paulo, foi a cruz — “porque a
mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que
estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1 Coríntios 1.18). Ele não ofereceu
uma promessa de conforto, mas um chamado ao discipulado — com renúncia, cruz,
perseverança: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome
diariamente a sua cruz e siga-me” (Lucas 9.23), “Se alguém quiser ser meu
discípulo, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16.24). O
Filho amado não veio para nos mimar, mas para nos salvar. E isso nos deveria
bastar: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse
salvo por meio dele” (João 3.16-17).
A
lógica do Reino é esta: “Se com Ele sofremos, com Ele também seremos
glorificados” (Romanos 8.17) — mas a glória só vem depois da cruz.
O
louvor que se oferece como alento emocional, mas não conduz ao arrependimento,
é um embuste. A música que massageia o ego, mas não leva ao trono de Deus, é
apenas entretenimento religioso. E isso é um risco grave. Como nos alertava A.
W. Tozer, “o cristianismo moderno se tornou racionalista e centrado no homem,
em vez de ser espiritual e centrado em Deus”.
No
passado, nossos hinos diziam “Tu és fiel, Senhor”, “Santo, Santo, Santo”,
“Grandioso és Tu”, “Te exaltamos, ó Cordeiro”. A gramática da adoração era
vertical, sacra, cheia de reverência. Hoje, muitas letras parecem mais janelas
de autoajuda que altares de rendição. Onde antes dizíamos “Tu és”, agora
dizemos “Eu sou”. Onde se dizia “Te exaltamos”, agora se ouve “eu vencerei”.
E
não é que toda música moderna seja má. Deus tem levantado adoradores sinceros
nesta geração — compositores e ministros que compreendem que louvor é
sacrifício, não agrado, como declara a Escritura: “Por meio de Jesus,
ofereçamos a Deus, continuamente, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios
que confessam o seu nome” (Hebreus 13.15). Mas são minoria. E não podemos
confundir exceção com regra.
O
louvor bíblico é centrado em Deus e na sua glória. Ele nasce do temor — “Tema
toda a terra ao Senhor; temam-no todos os habitantes do mundo” (Salmo 33.8),
passa pela gratidão — “Entrem por suas portas com ações de graças e em seus
átrios com louvor; deem-lhe graças e bendigam o seu nome” (Salmo 100.4),
floresce na confiança — “Ele pôs um novo cântico em minha boca, um hino de
louvor ao nosso Deus. Muitos verão isso e temerão, e confiarão no Senhor”
(Salmo 40.3), e se consuma na obediência — “Acaso o Senhor tem tanto prazer em
holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? A obediência
é melhor do que o sacrifício” (1 Samuel 15.22). Ele não é um lugar de consolo
terapêutico apenas, mas de consagração total. Ele não massageia o coração do
homem; ele o oferece, quebrantado, diante do trono — “Os sacrifícios que
agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito,
ó Deus, não desprezarás” (Salmo 51.17).
Precisamos
voltar. Voltar ao Deus que não bajula, mas santifica. Que não promete conforto,
mas dá propósito. Que nos leva aos desertos não por crueldade, mas por
misericórdia — “Lembrem-se de como o Senhor, o seu Deus, os conduziu por todo o
caminho no deserto durante estes quarenta anos, para humilhá-los e pô-los à
prova, a fim de saber o que estava em seus corações... Ele os humilhou,
fazendo-os passar fome e depois os sustentou com maná... para ensinar-lhes que
nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do
Senhor” (Deuteronômio 8.2-3). A confiança, como diz Paulo, nasce da
perseverança, não da comodidade — “a tribulação produz perseverança; a
perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança” (Romanos
5.3-4).
Como
escreveu Dietrich Bonhoeffer, mártir da fé diante do nazismo: “A graça barata é
o inimigo mortal da Igreja. É a graça sem discipulado, sem cruz, sem Jesus
Cristo vivo e encarnado.”
Que
o nosso louvor, então, não seja barato. Que ele custe nosso orgulho, nossa
vontade, nosso centro. E devolva o trono a quem de direito: ao Rei dos reis.